Conhecer o passado para entender o presente e vislumbrar o futuro das relações entre sociedade, tecnologia e escola. Este é o objetivo principal desse artigo.
A Sociedade humana já foi ORAL. Nesse tempo, a tecnologia para preservação e transmissão do conhecimento e da cultura era a palavra e a metodologia, a repetição. Sentados ao redor da fogueira, os membros da tribo escutavam histórias, repetidas ad infinitum pelos anciãos. Se fôssemos representar graficamente a sociedade oral, o melhor símbolo seria o círculo. O conhecimento existente – as tradições e os mitos – circulavam continuamente, através da repetição.
Chegou o tempo da Sociedade ESCRITA. Com a possibilidade de registrar os fatos, podia-se avançar, “criando” História, uma vez que a memória mítica não corria mais o risco de se perder, por estar definitivamente gravada. A Escrita passa a ser o instrumento tecnológico para a preservação e transmissão do conhecimento e a linha, a linearidade e a cronologia – uma coisa depois da outra – passaram a ser a metodologia.
Entramos, em seguida, na era DIGITAL. Pela transformação de átomos em bits, a capacidade de armazenamento de informações multiplicou-se astronomicamente. A quantidade de informação produzida dobra em espaços cada vez mais curtos de tempo. As gerações mais novas passam a raciocinar hipertextualmente, confrontando explicitamente a lógica tradicional, a linearidade cartesiana. Paralelamente, descobre-se que as pessoas aprendem de formas diferentes – os aprendizes podem ser auditivos, visuais ou cinestésicos – e que há múltiplas formas de ser inteligente. Com o advento da Internet – a rede que interliga todos os computadores mundiais – os depósitos de informação transformam-se em vasos comunicantes.
Diferentemente do que ocorria nas duas formas anteriores de Sociedade, na Sociedade Digital não mais se espera que as pessoas sejam capazes de apenas reproduzir textualmente as informações que lhes foram passadas através das palavras e da escrita. O imperativo da sobrevivência requer hoje a capacidade de encontrar informações, processar estas informações, combiná-las com outras informações e, assim, construir novos conhecimentos, que dêem respostas novas a problemas novos, num processo de aprendizagem contínua. O foco desloca-se do ensino para a aprendizagem. (Longe de descartar o professor, a efetividade desta mudança passa a depender dramaticamente de sua capacidade de sair do papel de instrutor para o de administrador do processo ensino-aprendizagem).
Acrescenta-se, nesse novo cenário, aos instrumentos convencionais de aprendizagem – palavra, giz, lousa e livro – um arsenal extraordinário de recursos: a multimídia, com seu poder de impactar simultaneamente vários sentidos, surge para atender às diferenças individuais entre os aprendizes e potencializar a aprendizagem pelo uso combinado e simultâneo de várias mídias e pela possibilidade de se abordar, interativa e hipertextualmente, de acordo com o interesse, um conjunto de informações; a Internet, com sua capacidade de permitir o acesso instantâneo às fontes primárias de informação e o intercâmbio de conhecimentos em tempo real; os softwares de produtividade – planilhas, editores de textos, geradores de apresentações gráficas e bancos de dados – permitindo o processamento de maior quantidade de dados e informações de modo mais rápido e mais preciso.
A Escola não tem sido, tradicionalmente, um ambiente receptivo às transformações. Não é à toa que passou incólume pelo retroprojetor, pelo projetor de slides, pela TV e pelo videocassete (quantos professores incorporaram efetivamente esses recursos à sua rotina didática?). Um dado novo se apresenta, no entanto. Diferentemente das tecnologias acima citadas, a multimídia e a Internet se entranharam na vida da juventude, a clientela básica da Escola, tornando-se sua ferramenta natural de comunicação, diversão e aprendizagem, e aprofundando o fosso entre o mundo real e o mundo da escola (tenho para mim que a indisciplina, em muitos casos, não é mais que evasão espiritual: o corpo fica, para ganhar presença, e o espírito vai para paragens mais interessantes).
Diante de tantas transformações e possibilidades, como permanecer a Escola restrita ao reino do giz e da palavra? Como continuar sendo apenas oral e escrita, circular e linear?
A tecnologia gera sentimentos muitas vezes contraditórios: surgindo para auxiliar e resolver problemas (de transporte, de trabalho, de diagnóstico de doenças, etc, etc.), provoca em muitos reações temerosas ou até mesmo pura rejeição. Os novos recursos que se colocam à disposição de professores, alunos e cidadãos em geral, longe de serem ameaças, exotismos ou esfinges de decifração impossível, só podem ser vistos como ferramentas, como outras quaisquer que já serviram e servem ao homem. Para utilizá-las é cada vez menor o esforço de aprendizagem requerido. E esse esforço, maior ou menor para uns e outros, é cada vez mais imprescindível num mundo que se globaliza inexoravelmente. O domínio, ainda que meramente instrumental, do computador e de pelo menos algumas das chamadas tecnologias da informação, são condição necessária e passaporte para a cidadania global e antídoto contra a exclusão.
Se outras não houvesse, penso que bastariam estas para justificar a presença natural da tecnologia na rotina didática dos professores e no trabalho de aprendizagem dos alunos. Sem sofrimento. Ao contrário, com muito prazer.