Citação
“ Quando se coloca a máquina fazendo trabalho de máquina, sobra mais tempo para o humano fazer mais trabalho de humano.”
Inteligência artificial e inteligência humana: a aceleração do futuro em tempos de pandemia.
Enquanto os servos faziam o trabalho pesado e preparavam os lautos banquetes, a família, parentes e amigos da nobreza se reuniam nos jardins, para recitar poemas, cantar ou tocar e ler em voz alta… Trabalhar? Não era de “bom tom”. O nobre devia se dedicar a cultivar o espírito e as artes…
Ainda que, talvez, exagerada, esta imagem retrata um ideal de vida baseado no ócio e na “elevação espiritual” como direito e objetivo da humanidade (ou, pelo menos, de parte dela), como podemos ver em inúmeros livros e filmes de época. Por incrível que pareça, as promessas da tecnologia, atualmente, guardam alguma proximidade com tal ideal: “Quando se coloca a máquina fazendo trabalho de máquina, sobra mais tempo para o humano fazer mais trabalho de humano”, é o que diz o CEO de uma das startups mais avançadas em soluções digitais que envolvem Inteligência Artificial e outras tecnologias para reforço da formação na área da Medicina. Voltaremos a este ponto.
Por enquanto, vejamos alguns poucos exemplos de como robôs, máquinas inteligentes e algoritmos de IA (Inteligência Artificial) já estão liberando o ser humano do trabalho mecânico ou braçal, para que se dediquem a tarefas de natureza mais… humana (discutiremos mais tarde o que seria isto).
Apesar de parecer coisa do outro mundo, a IA está nos seus primórdios: os modelos mais avançados são capazes de raciocinar (logicamente) como uma criança de 3 anos. É fato que estamos à espera da singularidade, o momento em que a Inteligência Artificial “superará” a humana. A superação fica entre aspas, pois deverá se dar apenas no nível lógico, ou seja, um algoritmo de IA poderá sair–se melhor que um humano apenas nos testes de QI convencionais e desafios correlatos, provavelmente.
Há especificidades da Inteligência Humana que, segundo os especialistas, jamais poderão ser aprendidas e usadas com a mesma eficácia por algoritmos, por mais sofisticados que sejam. A Neurociência, com seus admiráveis avanços, revela um ser humano que ainda está longe de compreender muitos dos mistérios e capacidades do seu próprio cérebro, incluindo a de criar, destruir, refinar e reconstruir idéias e coisas – a criatividade. A IA é mais competente do que as pessoas em tarefas de análise, organização e até resolução de alguns problemas, ou seja, aquilo que se refere à inteligência lógico-matemática e, se tanto, a visual-espacial. Mas o que dizer das outras, que todo ser humano possui, em maior ou menor grau, e que, ao funcionarem sistemicamente com a lógico-matemática, constituem a IH – Inteligência Humana: a linguística, musical, corporal/sinestésica, interpessoal, intrapessoal, a naturalista, a existencialista/espiritualista? E da capacidade que só o ser humano tem de combinar todas estas para desenvolver projetos, criar obras primas e se reinventar a cada dia?
Enquanto a Inteligência Humana é generalista, poderíamos dizer, a IA é especialista: um programa de IA desenvolvido para atendimento de clientes (um Bot) jamais poderá dirigir carros autônomos ou desafiar alguém para uma partida de xadrez e, muito menos, se emocionar, se ganhar. Ou será que em vez de “jamais”, seria melhor dizer: “tão cedo”? Grandes empresas trabalham no âmbito da linguagem natural – capacidade de uma IA dialogar com um humano, compreendendo e respondendo “como se” humano fosse – e da deep learning”(aprendizagem profunda), que pretende trazer aos sistemas de IA a capacidade de aprender evolutiva e exponencialmente. Seu benchmark será sempre, no entanto, a IH. Só esta sabe que sabe ou que não sabe, tem consciência de si e da sua própria inteligência. Se continuar investindo em seus “diferenciais competitivos” – todos os demais tipos de inteligência – a IH jamais (opa!) será suplantada pela IA.
Fiquemos com estes parcos exemplos e considerações, em função do pouco espaço deste artigo. Fiquemos também com a seguinte pergunta: trata-se de uma competição sobre quem é melhor, a IA ou a IH? Ou de saber como a IH pode evoluir ainda mais, utilizando as “competências” da IA? Os tempos disruptivos em que vivemos, acelerados pelo Corona vírus, colocaram o futuro no nosso presente, exigindo processar tantas variáveis ao mesmo tempo e construir soluções “para ontem”, que o nosso cérebro, sozinho, não é capaz de atender. Para isto, arregimentamos um verdadeiro exército de “serviçais tecnológicos”, com os quais governos, cientistas, epidemiologistas, médicos, professores e tantos outros profissionais vêm contando para auxiliar na tomada das melhores decisões e na continuidade de sua missão.
Uma parceria entre IA e IH e não um combate – como tentaram fazer os luditas, na Revolução Industrial, entre homem e tecnologia: é o que se propõe e é a isto que estamos assistindo. Tal parceria, além de ampliar as potencialidades e a capacidade de resposta da IH, pode fazer com que seja cumprida a promessa tecnológica: mais liberdade e tempo livre para pessoas e profissionais.
Mas, afinal, o que estes profissionais e pessoas farão com o tempo livre que a tecnologia lhes proporcionar (se houver verdade nesta afirmação): reunir-se com os familiares e amigos nos jardins, para recitar poemas, cantar ou tocar e ler em voz alta, enquanto os aparatos tecnológicos “se viram”? Nada contra esta ideia, a princípio, mas é bom lembrar o que a IH de nossos avós já nos alertava: “Mente desocupada é oficina do diabo”. Não se trata aqui de usar o tempo ganho para o “dolce far niente”. Com as máquinas fazendo o trabalho de máquinas – tarefas mecânicas, repetitivas e insalubres ou cálculos que demandem processamento de grande quantidade de dados, os humanos poderão usar a IH – Inteligência Humana – para analisar, ponderar, temperar dados frios com a sensibilidade e a empatia, para gerar melhores conclusões e ações inovadoras que coloquem os interesses econômicos, sociais e emocionais do ser humano no centro, antecipando o advento da Sociedade 5.0. Assim, será mais humana, mais rica e eficaz a relação médico-paciente, a relação professor-aluno e qualquer outra, em um mundo cada vez mais high tech, que anseia por ser cada vez mais mais high touch.
E, com o tempo que ainda há de sobrar (sonhemos), que não esqueçamos de reunir familiares e amigos nos jardins ou em torno de uma mesa, para recitar poemas, cantar ou tocar e ler em voz alta…