A gestão do turismo é ciência complexa. Além de envolver aspectos profundamente técnicos, lida com variáveis educacionais, sociais, culturais e de comunicação muito desafiadoras.
Várias vezes já ouvi: “A Estrada Real é muito mal sinalizada; a gente não consegue encontrar…”
No sentido literal, é impossível mesmo, pois a Estrada Real em si é, nos dias atuais, apenas um conceito. Por sobre os antigos caminhos que a constituíam, estenderam-se cidades, propriedades particulares, estradas diversas. O que se busca, neste que é o maior projeto turístico em andamento no Brasil, é jogar luz sobre as centenárias cidades cujos núcleos históricos são contemporâneos dos ciclos do ouro e dos diamantes, com seus casarios coloniais e igrejas ricas em ouro e arte barroca. A idéia é resgatar tradições, revelar singularidades, preservar modos de ser e viver, valorizar a arte e o artesanato, dar a conhecer e a saborear a riquíssima gastronomia, desvelar encantos naturais.
Para quem não sabe, a área de influência da Estrada Real se define ao longo de três “caminhos”, que surgiram da oficialização de antigas vias utilizadas por bandeirantes, tropeiros e aventureiros de toda ordem. O primeiro, conhecido por “caminho antigo”, vai de Paraty a Ouro Preto; era por ali que o ouro, descoberto em profusão nas Minas Gerais, era escoado para Portugal. Por ser muito longo, foi substituído por outro mais curto, do Rio de Janeiro a Ouro Preto. Com este, a viagem, em lombo de burro, cavalos e carroças, encurtou para “apenas” algo em torno de dois meses. Posteriormente, com a descoberta das fantásticas minas de diamantes no antigo Arraial do Tejuco, hoje Diamantina, surge a ligação entre esta cidade e Ouro Preto.
No total, são 1.400 km de jornada, divididos em vários “circuitos”: do Ouro e dos Diamantes, dos Inconfidentes, das Águas, das Vilas e Fazendas, etc, etc. Só quem percorre estes caminhos pode imaginar os extraordinários desafios com que se defrontava esta brava gente brasileira, portuguesa e africana: um mar… de montanhas; florestas impenetráveis, animais selvagens, salteadores… nada de uma pousadinha charmosa, um belo hotel ou um convidativo restaurante servindo uma comidinha mineira no capricho, que hoje se encontra, em grande número, quase por todo o percurso.
O Instituto Estrada Real – IER, uma iniciativa da Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG), com forte apoio do Ministério do Turismo, vem fazendo um trabalho digno de nota (e, muitas vezes, pouco conhecido ou pouco compreendido) para transformar o projeto em realidade. Muitos avanços já foram feitos – levantamentos, programas de qualificação de mão de obra, programas de certificação da produção voltada para o turismo, etc – e muito há ainda para fazer – ao longo de grande parte da Estrada Real, já foram colocados marcos oficiais, para sinalizar seu antigo traçado, mas encontrar, por exemplo, algumas das atrações listadas no próprio site do IER é uma aventura extra, por total falta de sinalização. A população e as autoridades de muitas das cidades ainda não descobriram que o novo Ciclo do Ouro para elas é o turismo. E ficam esperando que o governo estadual e o governo federal ou alguma entidade superior lhes dê tudo de mão beijada. Levantar seus atrativos e colocar umas plaquinhas de indicação – de madeira rústica, que seja – é algo que a própria comunidade pode e deve fazer. As que fazem já estão na frente. E quem vai na frente bebe água limpa.
Por falar em água limpa, talvez este seja o maior desafio. O índice de cidades que jogam seu esgoto diretamente nos rios é alarmante e faz muito arriscado o sonho de um refrescante banho de cachoeira. Algumas cidades já descobriram que cuidar da qualidade de suas águas, investir no saneamento básico e cuidar do seu lixo é investimento que pode gerar até mesmo receita, conforme ensinou-me o Sr. Juca, brilhante ex-Prefeito de Catas Altas, um homem de 74 anos e extraordinária visão, que ensina a quem quiser como obter empréstimos dos órgãos governamentais para projetos na área sanitária e receber anualmente, em créditos de ICMS, mais do que paga pelo empréstimo. Mas não nos iludamos: a melhora da qualidade das águas só virá com o esforço cooperativo e integrado de todas as cidades de uma mesma bacia hidrográfica, pois basta que uma apenas não trate seu esgoto antes de jogá-lo no rio para que as águas de todas as cidades abaixo estejam poluídas.
A melhoria da qualidade das águas e das condições sanitárias, no entanto, não deve ser vista como uma “estratégia para atrair turistas”. O turismo, na verdade, pode ser o bom pretexto para melhorar a vida de quem mora nas cidades, pois a cidade só será boa para o turista se for, antes disso, boa para os seus próprios cidadãos.
Lúcio Fonseca – lucio@luciofonseca.com.br