Lúcio de Andrade Fonseca
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Para minha mais recente viagem a Angola, prevista para dia 28/9/13, consegui embarcar somente no dia 01/10/13 à noite (atraso na emissão de visto). Cheguei a Luanda dia 02/11, por volta de 6 da manhã (hora local – a nossa é 4 horas menos). Por volta de 9 horas, um carro me levou à província do Uíge. Viagem de 6 horas. Direto para o local das Jornadas Técnicas da Ordem dos Engenheiros de Angola, para ver se dava para dar minha palestra que estava marcada inicialmente para ser a de abertura, nesse dia. Não deu. Foi dada no dia seguinte.
Mais uma vez, tentei ajudar pessoas que fazem parte da elite intelectual do país (estavam lá, por exemplo, a vice-governadora da Província, Engenheiros de várias partes do país e gestores de algumas universidades, além de estudantes) a refletir sobre o jogo geopoliticoeconômico mundial e as estratégias diferentes do neocolonialismo para obter o mesmo que obtinham antes dos países pobres: comprar matéria prima a preços irrisórios e vender produtos e serviços de alto valor agregado (necessários ou não) por preços estratosféricos.
Angola é um dos grandes produtores mundiais de petróleo e diamantes e, ainda assim, não consegue sair do paradoxo “país rico-povo pobre”. Muita gente vivendo ainda abaixo da linha da pobreza, sem acesso a água, energia, esgotos, comida… O nível de poluição dos rios por esgotos e lixo é alarmante e grande parte da população toma banho nestes rios e consome esta água do jeito em que está. Claro que os 30 anos passados em guerra, até 2002, contribuíram demais para que se chegasse a esta situação. Não há indústrias ou outros espaços significativos para empregar o pessoal. Quem pode, arranja uma sinecura no governo. Nível de desemprego altíssimo, nível de analfabetismo (sem contar o funcional) de 55%.
Do fim da guerra para cá, são louváveis os esforços do governo e percebem-se avanços bem significativos, mas não fica clara a existência de um Plano Estratégico: muita coisa é feita, mas aparentemente sem um senso claro de prioridade e de forma não integrada. Surpreendi-me, por exemplo, com algumas ruas de localidades do interior dotadas de iluminação pública via energia fotovoltaica, mas soube depois que as casas não têm energia e que, por não ter sido feito nenhum trabalho com a população (muito humilde e com baixíssimo nível de escolarização), as baterias são roubadas e muitos postes ficam inoperantes…
Visitei um belo projeto agropecuário, feito em parceria com israelenses, que pode ser um modelo interessante para o país: o pessoal implanta o projeto, emprega o pessoal local (116 dos 120 empregados), capacita-o e, depois de alguns anos, transfere a gestão para os angolanos. Ainda a conferir os resultados (início recente), mas iniciativa boa. Já produzem3000 ovos dia, algumas toneladas de ração, verduras e legumes. Mesmo assim, a possibilidade de dar uma vida digna à população ainda está muito longe.
Levantei também para eles inúmeras possibilidades de romper esta situação, aproveitando algumas das características do tempo em que vivemos, que são propícias para o desenvolvimento de projetos colaborativos com outros governos, universidades de outros países, empresas e sociedade, tendo como foco a inovação e a busca de soluções feitas sob medida para sua realidade: desenvolver tecnologias sociais adequadas à realidade e necessidades do país (fogão solar, fontes alternativas de energia, turismo, empreendedorismo, cooperativismo, reciclagem, exportação de sucata e de lixo para usinas térmicas (Alemanha paga bem por tonelada à Itália, sabia?), fossas verdes (biorremediação), etc.
A província em que eu estive tem forte vocação agrícola e uma faixa de floresta muito bonita e expressiva, mas que está sendo rapidamente consumida pelas queimadas para plantio (no caminho, vi mais de 30 focos) e pela exploração ilegal e desordenada de madeira, além da caça ilegal de animais silvestres (veados, cotias, macacos e outros). Alertei-os para o fato de que isto, se não interrompido, provocará, em poucos anos, um processo acelerado de desertificação e de mudança do regime das chuvas, que tornará praticamente inviável a agricultura. Como praticamente todas as famílias da região vivem da agricultura de subsistência…
Felizmente, a Ordem dos Engenheiros de Angola, em todas as suas Jornadas Técnicas bianuais (das quais tenho tido o enorme prazer de ser convidado a participar há vários anos, o que muito me honra), sempre abre espaço para a discussão de temas como este. Ao final das Jornadas, que duram em geral 3 dias, é emitido um documento com conclusões e recomendações, que é entregue formalmente ao Governo. O desafio é duro, mas me sinto um pouco aquele beija-flor do incêndio – vou fazendo pelo menos a minha parte, ainda que seja uma gota. A satisfação que tenho e a esperança que me invade ao ver que pude tocar boa parte destas pessoas é o que mais compensa.